sábado, 1 de novembro de 2014

Ir pedir Santórios


Este ano, mais que nunca, senti saudades desta tradição da minha aldeia e, pelo que sei, de outras na região da Bairrada. 
Era costume, no dia 1 de Novembro, logo pela manhã, saírem grupos de crianças munidos com sacolas, cestos e sacos de plástico, para baterem às portas dos habitantes da Póvoa do Bispo pedindo santórios. 
Éramos recebidos com sorrisos francos por detrás de portas de madeira que se abriam rangendo. Havia sempre nos rostos uma surpresa fingida mas terna... Logo nos conduziam à cozinha, aos celeiros ou aos sótãos onde estavam guardados, com todos os cuidados, os tão preciosos santórios: cestos com maçãs perfumadas, romãs, dióspiros, marmelos, abóboras, nozes, castanhas, avelãs e, penduradas em cordéis, as uvas passas.
As mãos calejadas pelo trabalho do campo distribuíam alguns exemplares pelos nossos sacos, e lá vinha a explicação: " Não posso dar mais... virão outros depois de vós... E tenho que guardar para o Natal e para o Inverno que aí vem...!" Os agradecimentos saíam em avalanche de todas as bocas: "Obrigada, ti Alzira... ti Manel... ti Benjamim... ti Serafim... ti Quitas... ti Madeu... ti Rosita...ti Céu... Ti Telvina..." Tantos nomes e rostos já desaparecidos...
Havia duas casas que me fascinavam e onde eu ansiava entrar: a casa do ti Manel Prior porque tinha um sótão amplo, misterioso, impregnado do perfume das maçãs e dos pêros e a casa do ti Benjamim cujos cheiros eu sempre liguei ao outono. Quando nas aulas dou a fábula " A cigarra e a formiga", inevitavelmente a minha memória afectiva e olfactiva estabelece uma ligação com estas duas casas. 
Coisas da infância do nosso povo, do nosso ser...
É com tristeza que vejo estas tradições completamente substituídas por costumes que nada têm a ver com a nossa cultura.


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